sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

CENOGRAFIA VIRTUAL



















A CENOGRAFIA VIRTUAL
NA TELEVISÃO BRASILEIRA



A cenografia virtual vem tomando espaço em emissoras de todo mundo, e aqui no Brasil já vemos os primeiros sinais de sua instalação. Programas como o Globo Repórter, Fantástico, Pelo Mundo e N de Notícia, fazem uso de cenários corpóreos totalmente produzidos por computador.
No cenário virtual é possível incluir objetos virtuais na cena e, com um ensaio prévio, criar a ilusão de que o ator está interagindo com eles. Ele pode circular em volta do objeto e ter sua sombra e reflexo projetados nele como se fosse um objeto real. Os movimentos de câmera (pan, zoom e travelling), que não eram possíveis de se conseguir no chroma-key, fazem um cenário virtual parecer real. Uma das formas de se produzir este movimento é através de sensores instalados nas lentes e no tripé das câmeras.
A revista Luz & Cena, em matéria publicada em setembro de 1998, já descrevia com fascínio a apresentação do cenário virtual na Broadcast & Cable que acontecia no Palácio das Convenções do Anhembi em São Paulo: "No estande, uma atriz permaneceu a frente de um cenário com apenas um fundo pintado em azul. Na tela, entretanto, foi visualizada a interação da atriz com imagens reais"(Mello in Luz & Cena, 1998: 53). Claudio Younis, diretor da Eletro Equip, empresa que comercializa no Brasil os software para cenários virtuais, afirmou que tecnicamente os cenários virtuais fazem a composição dos atores ou apresentadores com um cenário 3D, que acompanha de forma realísticas os movimentos da câmera e, complementa, "a vantagem desta tecnologia é a possibilidade de ampliar a criatividade dos produtores, com a redução dos custos operacionais na criação de cenários reais" (Mello in Luz & Cena, 1998: 54). Na Broadcast & Cable 2000, realizada em agosto, no Centro de Exposições Imigrantes em São Paulo, a Eletro Equip voltou a demonstrar os equipamentos para cenografia virtual, agora com novos recursos (como transmissão pela rede), assim como, a queda no preço dos equipamentos, o que acaba tornando-o ainda mais viável.
Esta nova forma de pensar e desenvolver o projeto cenográfico televisivo vem afetando diretamente os profissionais envolvidos na criação e produção cenográfica.
As imensas fábricas de cenário começam a dar lugar a pequenas salas informatizadas, os estúdios de televisão reduzem seu espaço, estrutura física e pessoal. A cenotécnica e maquinária, responsáveis pela construção e instalação do cenário vão sendo substituídas. Aos poucos softwares como o 3D Studio Max, Larus, Ibis entre outros, ocupam o espaço que antes era da madeira, dos revestimentos e tintas. Operadores de computador tomam o lugar de marceneiros, pintores e aderecistas, que partem para outros mercados, como eventos, shows e outras áreas de entretenimento que hoje utilizam seus serviços.
Os cenógrafos, diante da transformação por que passa este meio, não estão imunes a esta onda de substituições, e enfrentam a concorrência dos vídeo-designers, que já tinham seu espaço nas emissoras de televisão com produções para aberturas de programas, selos para telejornalismo e vinhetas. Para o cenógrafo José de Anchieta, um veterano na profissão, a tecnologia é a grande responsável pela migração do cenógrafo para as áreas de eventos e shows: "ele (computador) barateia muito o custo de um cenário porque não precisa de material nem de muita mão-de-obra. Acredito que o uso da computação gráfica diminua em até 90% o custo de um cenário" (Teixeira in Tela Viva, 1997: 57).
A falta de organismos estruturados que reunam os profissionais que estão no mercado para troca de informações e atualização; o reduzido número de cursos técnicos e disciplinas em escolas universitárias; e a carência de publicações em língua portuguesa que tratem do assunto, acabam levando o cenógrafo brasileiro a buscar o aprendizado e aperfeiçoamento na prática. A informação no campo cenográfico é coisa rara, e isso faz com que o cenógrafo brasileiro continue aprendendo com acertos e erros do dia a dia. Com isso, não é de se estranhar, que o surgimento da cenografia virtual apresente-se ainda como um campo desconhecido para o cenógrafo de televisivo.
Diante desta realidade, o vídeo-designer parece ter o perfil adequado para suprir esta necessidade no momento. Pois, mesmo desconhecendo os princípios básicos de linguagem e aproveitamento do espaço em três dimensões, faz uso dos elementos básicos da comunicação visual.
Porém não é só o mercado e profissionais que são afetados por estas mudanças. O próprio conceito de cenografia, que durante toda história da cenografia ocidental sofreu alterações devido a evolução tecnológica e adaptação a novos espaços, apresenta-se ainda mais confuso. A existência de diferentes conceitos cenográficos se deve a esta "mania" da cenografia de entrar em um espaço, reconhecê-lo em suas particularidades e adaptar-se a suas necessidades até adquirir uma linguagem própria deste sistema. Esta adequação por sua vez, leva a mudança em seu processo de desenvolvimento, escolha de materiais e técnicas de produção. O teatro tem uma linguagem própria, o que leva a utilização de técnicas e materiais próprios para sua linguagem, na mesma situação encontra-se a televisão e os outros campos de atuação cenográfica.
As fases de transição que fizeram com que a cenografia passasse de arte pictórica a arte plástica; a incorporação da luz elétrica como elemento comunicacional; o uso de paisagens naturais na fotografia em movimento do cinema; assim como, a fragmentação da imagem irradiada da televisão, levaram profissionais e teóricos a discutir o papel do cenário no espetáculo: sua relação com o espaço, com o ator e com o público. Hoje, a inexistência do espaço físico parece afastar a cenografia do seu parentesco mais próximo, as artes plásticas, "por existir apenas no tempo, inclusive no tempo real e presente, a imagem eletrônica é pura duração(...) guardando um parentesco muito maior com a música, estética por excelência da duração" (Machado, 1996: 55). Isto acaba levando a uma nova frente de debates sobre o conceito de cenografia.
Talvez as semelhanças entre as cenografias desenvolvidas para os diferentes espaços teatrais, cinema, televisão, ou computador, limitem-se apenas ao fato de todas serem uma forma de expressão comunicacional. Ou talvez, suas semelhanças sejam mais profundas, e esta transição, da cenografia corpórea para a virtual, não passe de um processo natural, como acredita Aldo Calvo: "o que mudou na atual cenografia foram os meios utilizados, pois o conceito continua o mesmo" (Calvo, 1989: 04).
O problema está em conceituar a cenografia virtual dentro deste universo: como uma forma diferente de representação do espaço e, até mesmo, um novo processo de comunicação, que necessita de profissionais preparados unicamente para esta nova linguagem ou, como uma forma de comunicação visual que sempre existiu e está em permanente evolução.
Neste momento, parece ser fundamental voltar o olhar para a evolução da cenografia na história; sua transição para diferentes espaços; e sua incorporação de novas descobertas tecnológicas, já que estas transformações levaram a mudanças conceituais, técnicas e práticas. Ao observar os caminhos traçados, pela cenografia, nos diferentes espaços de representação teatral, assim como, as dificuldades encontradas pelos pioneiros da cenografia no cinema e televisão, devido ao desconhecimento do novo meio, podemos ter uma melhor compreensão do momento que vivemos hoje.



No cinema



O cinema, por sua vez, deu possibilidades a cenografia que o teatro não permitia. Agora as paisagens reais poderiam ser cenários, como nos descreve Gerard Betton: "Os cenários podem ser reais (naturais)_ paisagens ou construções humanas_ ou construídos em estúdio ou ao ar livre_ com vistas a servir de ambiência para a ação" (Betton, 1987: 53). "E foi o ingrediente de realidade que deu ao cinema a sua primeira platéia e a novidade de se observarem coisas reais em movimento." (Knight, 1970: 12).
O cinema conseguiu com facilidade realizar os tipos de efeitos que pareciam impossíveis no teatro. Knight cita como exemplo a declaração de um crítico em 1899, sobre a corrida de bigas do espetáculo teatral Ben Hur apresentado nos Estados Unidos: "A única maneira de obter o exato sentido de ação desse acidente no teatro consiste em apresentá-lo com a invenção de Edson" (Knight, 1970: 11). Esta crítica ao falso naturalismo teatral é compreensível, pois a cenografia neste espaço não passa de uma convenção dentro do próprio mundo real, "não há duvida sobre a natureza artificial dos cenários de palco (...), o palco é, em essência, preparado para simbolizar ou sugerir um lugar real" (Stephenson, 1969: 144). Já o espaço cinematográfico é diferente, a principal característica da câmera é "ser capaz de nos dar uma reprodução fotográfica de locais autênticos, porções verdadeiras da natureza" (Stephenson, 1969: 144).
Além disto, para Christian Metz, o espetáculo teatral não consegue proporcionar ao espectador a impressão de realidade proporcionada pelo cinema pois, "há os intervalos, o ritual social, o espaço real do palco, a presença real do ator" (Metz, 1972: 23). Diante deste fato, segundo Knight, só restou ao teatro buscar outro caminho que não fosse o da representação naturalista (o do expressionismo e impressionismo), já que naquele momento era quase impossível manter o interesse do público diante da novidade das imagens reais em movimento do cinema (mesmo que, ainda, trêmulas sombras). Knight, em Uma História Panorâmica do Cinema, descreve a forma maravilhada com que alguns espectadores reagiram a nova arte: "quando as locomotivas trovejavam pelos trilhos e as ondas rolavam em direção a câmara, pessoas nas primeiras filas saiam correndo" (Knight, 1970: 12).
Contudo, apesar de sua tendência para o cenário natural, o cinema viu surgir, em pouco tempo, os complicados cenários teatrais de Méliès que, se para Stephenson, "provaram ser um beco sem saída" (Stephenson, 1969: 145), para Knight foi a salvação do cinema (Knight, 1970: 13).
Georges Méliès, pintor e mágico profissional, combinava números de mágica com estórias de pantomima onde, freqüentemente, desenhava cenários que "constituíam milagres de engenhosidade, sugerindo, através de perspectiva distorcida, vastos panoramas a despeito de dispor apenas de um minúsculo palco" (Knight, 1970: 13). A cenografia de Méliès era composta de telas pintadas, como é descrito por Georges Sadoul em El Cine, Su História e Su Técnica: "(...)con simples telas pintadas y puestas sobre un muro(...)sobre la tela pintaba efectos visuales como los del teatro" (Sadoul, 1950: 115).
Assim como Sadoul, Knight vê uma forte influencia do teatro sobre o cinema de Méliès (como em tantos de seus contemporâneos). Palcos com estrutura teatral eram especialmente equipados para os truques que viriam a ser apresentados na tela. "No A Trip to the Moon (Voyage dans la lune), por exemplo, a fim de criar efeito de um foguete em vôo, Méliès rebocou um modelo em papiér-maché da Lua por sobre uma rampa complexa em direção a câmara, situada em plano superior (...). Tudo acontecia em seus filmes da mesma maneira que no palco (...). Até mesmo no truque de fundir uma cena na outra, Méliès adaptou técnicas teatrais existentes (...)" (Knight, 1970: 13).
Também como no teatro, os atores entravam em cena vindos dos bastidores, e este deslocamento do ator, para dentro ou para fora do cenário, é que compunha o quadro, e não os movimentos da câmera, que geralmente não se movia _"fixa e a uma certa distância da cena, de modo a abraçá-la por inteiro, num recorte que hoje chamaríamos de ‘plano geral’" (Machado, 1997: 92). Com o eixo frontal da câmera perpendicular ao cenário, a ação era desenvolvida horizontalmente no palco, o que levava a um ponto de vista definido por Sadoul como o "cavalheiro da platéia", ou como é conhecido no teatro renascentista "o local do príncipe", que corresponde ao ponto de vista de um espectador sentado mais ou menos no meio de uma sala de teatro, que vê a cena por inteiro, "desde a abóboda até a rampa, e cuja localização ideal faz dirigirem-se as linhas de fuga a um ponto no fundo e no meio do cenário" (Machado, 1997: 92-93).
Apesar da similaridade do espaço cinematográfico de Méliès com o espaço teatral, Arlindo Machado identifica no sistema de representação deste período uma maior influência das formas populares de culturas provenientes da Idade Média ou épocas imediatamente posteriores, que própriamente das formas artísticas eruditas dos séculos XVIII e XIX, como o teatro. "A iconografia de Méliès (...), deriva diretamente das gravuras populares, das imagens de Épinal, de modelos iconográficos não-europeus e de toda a tradição pictórica da Idade Média, donde a estilização e o grafismo naïf, o desprezo total pelas convenções da perspectiva renascentista e pelas regras do naturalismo plástico (...). Essa diferença de concepção do espetáculo (estilização, naturalismo) e de método de trabalho (mudança da escala do cenário e não da posição da câmera) dá-nos hoje, a nós espectadores viciados no naturalismo do cinema que se seguiu a Méliès, uma impressão de "teatralidade" que provavelmente os contemporâneos daquele cineasta não tinham" (Machado, 1997: 80-94).
Em 1903, com o lançamento de The Great Train Robbery de Edwin S. Porter, surge o que seria o modelo de cinema que conhecemos hoje, indicando um estilo definitivamente cinematográfico e uma total adequação da cenografia ao novo meio. "Todos os interiores, a cena inicial da cabine do telegrafista, o assalto ao vagão postal, a pândega violenta no bar, foram filmadas como em um teatro, figurando a câmara novamente como observador bem colocado. Mas logo que Porter a tirou do estúdio, onde toda a ação podia ser controlada, foi forçado a usar artifícios que focalizavam a cena de ângulos que exigiam que câmara se aproximasse dos atores e que estes entrassem de trás e saíssem em direção à objetiva" (Knight, 1970: 15).
As câmeras não se mantinham mais presas dentro dos estúdios: cenas rodadas em locação eram combinadas com outras encenadas diante de cenários pintados. E neste momento a cenografia cinematográfica supera a cenografia teatral, da qual se apoderara no momento do nascimento do cinema, "la combinacion del aire libre y el estúdio obliga a los escenógrafos a obtener un realismo mayor que el del teatro" (Sadoul, 1950: 115-116).
Neste momento de transformações no universo cenográfico, onde o cenário do espetáculo teatral assume a tarefa não mais de ilustrar o texto dramático, mas sim, de estabelecer-se como um dispositivo próprio para esclarecimento deste, o exibicionismo do cinema, em outra direção, faz eco a declaração de Copeau em crítica ao cenário: "Simbolista ou realista, sintético ou anedótico, o cenário é sempre um cenário: uma ilustração." (apud Pavis, 1999: 43). Contudo, a evolução do cinema acabou dando origem ao que podemos chamar hoje de cenografia cinematográfica.
A televisão, assim como o cinema, acabou por incorporar elementos dos meios já estabelecidos. Em seu início fez uso de cenários teatrais, até a invenção do vídeo-tape, onde aproximou-se da linguagem cinematográfica. No entanto, novamente como o cinema, vem adquirindo, nos últimos anos, características próprias, distanciando-se, conceitualmente e técnicamente de seus antecessores.





Referências bibliográficas




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BARRACCO, HELDA B.. O espaço nos meios de comunicação. São Paulo: EBRESP, 1976.
BETTON, GÉRARD. Estética do cinema. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1987
BLUEM, WILLIAM. Como fazer televisão. Rio de Janeiro: De Letras e Artes, 1965.
BURINI, DÉBORA. Cenografia em Telenovela, Leitura de uma Produção. Dissertação de Mestrado, São Paulo: PUC, 1996.
CALVO, ALDO (1989). Artigo. Espaço Cenográfico nº 04. São Paulo, p.09, Ago.
CASETTI, FRANCESCO e CHIO, FEDERICO DI. Análises de la Televisión: Instrumentos, Métodos y Práticas de Investigación. Barcelona: Paidós, 1999.


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